Quando se fala em São
João pensa-se por mera associação lógica que deverá se tratar de um único
João. Mas não posso falar
apenas de um pois não se trata de um João só, nem mesmo apenas de dois.
São
João Baptista e o São João Evangelista são os “habituais” Patronos da Maçonaria;
mas no decurso da minha investigação para a execução deste Trabalho, “descobri” um
outro João, um terceiro São João. Um que é conhecido tanto por “São João de
Jerusalém” como por “João, o Esmoler”.
Por isso vou tentar abordar um pouco as características maçónicas de cada um e tentar chegar a uma conclusão “que se não o for, bem o poderia ser”.
Comecemos a análise portanto:
São
João, O Baptista, primo de Jesus, foi o profeta que anunciou a sua vinda,
e foi lhe consagrado pela Igreja de Roma o dia 24 de Junho.
Chamavam-lhe de “ o Baptista” porque ele baptizava
os gentios nas margens do rio Jordão e os tentava converter à religião Judaica,
a religião do Deus único de Moisés e de Abraão. Ele com o seu baptismo, iniciava os gentios, sendo por
isso um “iniciador” de pessoas. Ele próprio baptizou, iniciou Jesus.
João Baptista é considerado também como um
“anunciador”, pois também ele previu a chegada de um Messias, o Cristo que iria
salvar a Humanidade.
Ele no percurso da sua vida ensinava as pessoas a
serem humildes, a renunciarem a si próprias (submetendo as suas vontades aos seus deveres e a evitarem o Egocentrismo) e a pensarem e a preocuparem-se
mais com os seus semelhantes (princípios éticos que Jesus Cristo também assumiu
ao longo da sua vida).
A sua conduta passava pela justiça dos seus
actos, a humildade e a ascese com que levava a sua vida; ele próprio chegou a pregar no
deserto. O próprio silêncio que envolve a “caminhada no deserto”
está associado ao silêncio a
que está sujeito também o Aprendiz Maçom em Loja.
João Baptista era intolerante com a fraqueza
e denunciava sistematicamente os vícios e a iniquidade a que assistia ao seu
redor. Atitude esta que também o Maçom deve tomar, combatendo os seus vícios e
paixões, sendo humilde e inimigo da fraqueza.
E foi em consequência dos seus ideais que
João Baptista foi aprisionado por Herodes Antipas em Jerusalém, que num torpor de amor pela
sua enteada Salomé o mandou decapitar.
Essa decapitação, em
Maçonaria está (na minha opinião) simbolizada também num determinado juramento e sinal
executado pelos Maçons. No qual o Maçom prefere ter a sua garganta cortada do que referir os
segredos que lhe foram confiados. Sigilo este simbolizando o silenciar dos "segredos" que qualquer Maçom
está obrigado a cumprir sobre tudo o que oiça e veja em Loja.
João Baptista ao querer permanecer fiel aos
seus princípios pagou
cara a sua postura. Essa verticalidade,
essa rectidão e integridade de princípios são hoje em dia um dos deveres dos
Maçons que se querem Homens rectos e de boa conduta; estando essa qualidade
simbolizada na jóia do Segundo Vigilante, o “prumo”.
Um facto curioso é que o próprio vestuário
de João Baptista, a sua túnica, está também representada
no avental do Aprendiz, na pele de cordeiro (branco) de que é feito o material
do mandil do Maçom.
Os Maçons, devido à sua Iniciação, também se
consideram filhos
da Luz, tal como os Essénios, membros da
comunidade de Qumran à qual João Baptista também pertencera na sua juventude. O
juramento que era feito pelos Essénios, e por sua vez também por João Baptista,
era de amar a
Deus, de justiça misericordiosa para com todos os homens e pureza de carácter,
o que implicava humildade, praticar o bem e a verdade, relegando a falsidade e
a malícia; tendo eles uma enorme reserva sobre os seus rituais e doutrinas secretas
em relação a estranhos. Características assumidamente maçónicas.
-A própria Maçonaria as tenta inculcar nos seus membros.-
-A própria Maçonaria as tenta inculcar nos seus membros.-
Quanto a São
João, O Evangelista, ele foi um dos discípulos e Apóstolos de Jesus
Cristo, sendo considerado por alguns teólogos como o discípulo preferido.
É considerado como " o Evangelista" porque
escreveu um dos quatro evangelhos canónicos aceites pela Igreja de Roma, que
talvez de todos os evangelhos conhecidos seja o Evangelho com maior pendor
simbólico e esotérico. Estando contido nele o Livro das Revelações, o “Apocalipse”.
João Evangelista quis deixar uma mensagem de
Paz e Amor ao Homem, a palavra que
Jesus Cristo professava, sendo por isso considerado como o “Apóstolo do Amor”.
Também em Maçonaria se
deseja
esse amor,
o “amor fraternal” entre os Homens, que se querem Irmãos entre si.
A conduta e forma de estar de João
Evangelista, a sua pureza e
inocência (era o mais jovem dos apóstolos), a sua amizade e lealdade a Jesus
até à sua morte, também nos mostra como nós, Maçons, devemos seguir tais ensinamentos
nos nossos relacionamentos e conduta de vida bem como nos mantermos fieis aos bons
princípios morais que devem guiar as nossas vidas e atitudes.
Após a morte de Jesus na cruz, João
Evangelista ficou encarregado de cuidar de Maria, mãe de Jesus. Sendo que à
época, Maria seria já viúva.
Por analogia com a Maçonaria, João Evangelista tomou às suas responsabilidades a viúva, tal como os Maçons devem fazer com as viúvas de seus irmãos.
Por analogia com a Maçonaria, João Evangelista tomou às suas responsabilidades a viúva, tal como os Maçons devem fazer com as viúvas de seus irmãos.
E também ele, tal como João Baptista, sofreu
na sua pele a firmeza e integridade em seguir os seus princípios, os ensinamentos
de Jesus Cristo. Tendo sido martirizado pelo Imperador romano Domiciano, que
mais tarde o desterrou para a ilha de Patmos, onde lá permaneceu até à sua
morte. Com essa postura
de mártir, João Evangelista deu mais um exemplo a ser seguido pelos Maçons, o
de serem firmes na sua conduta e persistentes no seu desejo de aperfeiçoamento
até ao fim da sua vida.
Enquanto João Baptista, foi o “preparador e o
anunciador”, logo o iniciador;
João Evangelista, simboliza o iniciado
que recebeu a luz e
que a partilha e a emana sobre os demais. Sendo esse também um dever do Maçom em
relação aos seus Irmãos, partilhando a sua sabedoria e experiência de Vida, os
ensinando e aconselhando.
Por sua vez, São João de Jerusalém, ou O Esmoler; ele nasceu na ilha de
Chipre por volta de 550 e devido à sua formação cristã e atitude solidária e
caridosa deslocou-se para Jerusalém a fim de construir um hospital que socorresse
os peregrinos que acorriam à Terra Santa.
Ele em vida, seguindo o que vários anos mais tarde seriam também os preceitos templários, e que seguiu como paradigmas da sua conduta, fundou uma Ordem de Cavalaria, a Ordem dos
Cavaleiros Hospitaleiros, que mais tarde se alterou para Ordem dos Cavaleiros
de Jerusalém, porque apesar da sua missão principal fosse receber e prestar
cuidados médicos aos doentes, eles auxiliavam também os cavaleiros Templários
nas suas incursões pela Terra Santa.
Mais tarde João Esmoler, regressaria ao
Chipre, porque existia o risco de invasão da ilha pelas tropas turcas. Aí, ele viria a fundar a Ordem dos Cavaleiros de Malta, que para além da função
hospitaleira e médica, tinha também funções de protecção e manutenção da paz.
Apesar de serem uma Ordem Militar, não conseguiram conter as hostes turcas que
invadiram a ilha.
Após o seu
falecimento, o Papa em reconhecimento das suas acções e virtudes, o canonizou
com a designação de São João Esmoler, apesar de ficar mais conhecido como São
João de Jerusalém, por lá ter vivido grande parte da sua vida.
Como o Papa o santificou, os cavaleiros Templários que tinham um enorme respeito e reverência por ele, o tomaram como seu patrono.
Como o Papa o santificou, os cavaleiros Templários que tinham um enorme respeito e reverência por ele, o tomaram como seu patrono.
De tal forma que a Maçonaria, herdeira também
das tradições templárias, assumiu os seus ensinamentos e os tenta seguir, aproveitando
a Maçonaria o facto de João ser considerado o “esmoler” e essa qualidade estar
premente na conduta maçónica, na qual o Maçom deve ser caritativo e hospitaleiro,
bem como solidário com o seu próximo. Glorificando-o a Maçonaria, através da designação
de uma das funções atribuídas aos Oficiais de Loja, o de Irmão Hospitaleiro ou
Mestre Esmoler (minha opinião).
Também Janus,
o deus pagão das duas faces, está intimamente ligado a São João e à
Maçonaria.
Janús é o deus que dá origem ao nome do mês
“Janeiro”, o primeiro mês do calendário cristão. Janeiro deriva da palavra
latina “janua”, ou “porta”. E porta, por sua vez, é também o significado da
letra grega “delta” que tem forma triangular e que em Maçonaria representa o
Divino e em Loja está sobre a cadeira de Salomão, a cadeira do Venerável
Mestre.
A dupla face de Janus
simboliza também os dois "Joãos", o Baptista e o Evangelista. E como tal, na
dupla face de Janus, a face voltada para o passado simboliza o Baptista, pois
ele anuncia a vinda do Messias, e a face virada para o futuro simboliza o
Evangelista, pois ele foi anunciador da palavra de Cristo.
Contudo, Janeiro é o mês que dá início a
um novo ano, um renascer (futuro); para trás ficou o ano que findou (passado).
Também a este deus estão subordinadas as Iniciações.
No ritual da
Iniciação, também o candidato e recém neófito, tem um renascer, ele na Câmara das Reflexões,
deixou o seu passado através da sua morte simbólica, e no fim da sua iniciação
quando ele finalmente vê a Luz, ele está também nesse momento a ver o seu
futuro, um futuro
“iluminado”.
O próprio nome de Janus, na sua forma latina
(Johannes), significa João.
E a similitude dos
dois nomes é tal que um foi absorvido
pelo outro, na cristianização (conversão forçada) dos
povos pagãos.
Para além de que João, na sua forma hebraica (Jeho-hannam),
significar “graças ou favor a Deus”. Ou seja, homem iniciado e iluminado. Assim
uma Loja de São João, é local
de reunião de um agrupamento de Iniciados, homens iluminados e favorecidos espiritualmente. Tal como se querem os
Maçons. Sendo justo atribuir-lhes o epíteto de “irmãos de São João”.
As próprias Lojas
Simbólicas, as Lojas que administram os três primeiros graus da Maçonaria, consagram
os três São Joãos.
Elas se designam por “Lojas de São João”, em honra
de João Baptista; sendo as mesmas abertas e
dedicadas (ao G.A.D.U. e) a São João de Jerusalém, tal como o questionário
feito ao Maçom à entrada de uma Loja, onde lhe é questionado ritualmente de
“Onde vem?”.
Bem como, numa sessão
de uma Respeitável Loja que siga o Rito Escocês Antigo e Aceite (o rito da
nossa Respeitável Loja), se o Livro da
Sagrada Lei for a Bíblia, ela se encontrará aberta
na primeira página do “Evangelho de João”, honrando assim João Evangelista.
Nela se encontram escritos os versículos:
“No
início era o verbo, e o verbo estava com Deus, e o verbo era Deus.
Ele estava no princípio com Deus.
Todas as coisas foram feitas por ele e, sem ele, nada existiria.
Nele estava a vida, e a vida era a Luz dos homens.
A luz resplandece nas trevas, e as trevas não a
compreenderam”.
A
Bíblia ou outro qualquer
livro sagrado (em Maçonaria Regular, são obrigatórios)
estão sempre presentes, lembrando aos Maçons que eles devem ser crentes numa entidade/divindade
superior a eles (e não ateus
estúpidos tal como Anderson os considerava,
nas suas Constituições…); sendo este um dos Landmarks da Regularidade Maçónica.
Mas também demonstram estes versos em particular, a vitória da luz sobre as trevas,
tal como sucedeu ao neófito na sua Iniciação ao grau de Aprendiz Maçom.
João Baptista e João Evangelista também estão
representados em Loja, através das duas rectas paralelas que delimitam o
círculo com um ponto no seu interior, com a Bíblia aberta sobre elas. Essas
rectas para além de significarem os limites de acção do Maçom, persistindo ele
em se manter fiel aos seus preceitos, não devendo ter receio em falhar;
significam também que a consciência religiosa do Maçom é inviolável, devendo
ele glorificar o G.A.D.U.
A
invocação a São João Baptista e São João Evangelista em Maçonaria, tem origem
na Maçonaria Operativa, uma vez que ambos os santos são patronos das guildas de pedreiros e profissões
ligadas directamente à arte da construção (Ars Structoria) que existiam entre os
séculos X e século XIV.
Mais tarde, da união de
quatro lojas/guildas
existentes na cidade de Londres, veio-se a formar a primeira Grande Loja de
Inglaterra. Que teve como data de fundação o dia de São João Baptista de 1717, e
a Grande Loja Unida de Inglaterra (que já integrava então a fusão da primeira
Grande Loja de Maçons e a Grande Loja dos Modernos, sendo o culminar do cisma
entre Antigos e
Modernos)
estabelecendo-se no dia de São João Evangelista em 1813; tendo São João
Baptista um papel iniciador
simbólico e São João Evangelista um papel finalizador, na
fundação da Maçonaria Especulativa Regular no Mundo.
Concluindo, João Baptista e João Evangelista,
apesar de diferentes entre si, estão intimamente ligados, tal como o terceiro,
João Esmoler, os complementa; formando assim uma trindade joanina
que se espelha num único São João global.
E visto que a
Maçonaria salienta as qualidades e virtudes de cada um deles, imprimidas na
atitude que se espera de um Maçom, o ser hospitaleiro, fraterno e protector de seus irmãos e suas
famílias, íntegro nos seus princípios de boa moral, firme na sua luta contra as
suas fraquezas, ser bom conselheiro, levando a luz/conhecimento aos outros…
Pode-se fazer a
afirmação de que a Maçonaria tem um forte cariz e pendor joanita na conduta que deseja
para os seus membros, sendo plenamente justificada a escolha dessa trindade de "São Joãos"
para seus patronos.
Bibliografia:
·
Anderson, James, “As Constituições dos Franco Maçons",
Ed. Campo da Comunicação.
·
Audoum, Jorge, “El Aprendiz e sus Mistérios”.
·
Carneiro, Jeová Neves, Prancha “O Evangelho de São João e o Salmo 133”,
Revista “Arte Real Nº41”.
·
Castellani, José, Prancha “Porque São João, nosso padroeiro?”,
Revista “Arte Real Nº4”.
·
Costa, Walter Veneziani, Prancha “São João e a Tradição Maçónica”.
·
Freitas, Eduardo, “Manual
do Aprendiz Maçom”,
·
Martin-Albo, Miguel, “A Maçonaria Universal”, Bertrand
Editora.
·
Naudon, Paul, “A Franco Maçonaria”, Edições Europa-América.
·
Rehder, Guilherme, Prancha “São João, Padroeiro da Maçonaria”,
Revista “Arte Real Nº28”
·
“Ritual
do Aprendiz Maçom”, GLLP/GLRP.
·
Sbaragia, Giselda, Prancha “Os Essénios”, Revista “Arte Real Nº28”.
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